quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

#1



A noite trazia-lhe os ruídos do Bairro Alto até à água furtada onde se encontrava, a contemplar Lisboa. Continuava linda. Já quase não se lembrava e esse reviver só agudizava o estado de excitação em que se encontrava.


De repente parecia voltar a reviver os tempos em que fazia parte daquele ruído, parecia que o tempo não tinha passado, sentia-se viva. Tinha tentado dormir mas era impossível. Tudo parecia impossível. Apenas um olhar casual para o interior do quarto onde Amélia dormia lhe dizia que não estava a sonhar.


Dormia como uma criança, despida como a noite, de preconceitos, de culpa, como só dorme alguém que está em paz.


Amélia era uma colega de trabalho relativamente recente, mas com quem tinha desenvolvido uma relação de amizade. Conheceu-a no sítio onde toda a gente na empresa ia fumar. Era uma “miúda” desprendida, dez anos mais nova. A conversa sobre o “tempo” rapidamente evoluiu para uma intimidade crescente. Foi a única pessoa da empresa a quem conseguiu dizer que estava farta da sua vida, do casamento de faz de conta e que “um dia…” Recebeu como resposta: “Quando esse dia chegar liga-me que eu não me importava nada de ter alguém com quem dividir as “contas”. A sério, se o quiseres fazer não será por não teres para onde ir”.


Aquilo andou a martelar-lhe na cabeça e na véspera, sozinha na cama às quatro da manhã tomou a decisão. Fez de conta que estava a dormir quando ele chegou. A conversa ficaria para o dia seguinte. De manhã, ao chegar foi confirmar a “disponibilidade” . Recebeu como resposta um abraço e um sorriso que lhe deram força para o que tinha a fazer nesse dia.


À hora do almoço foi a casa buscar o essencial. Queria despir-se o mais possível da última dúzia de anos da sua vida. Resolveu o que tinha a resolver na mesa de um café ao fim da tarde. Disse o que tinha a dizer, largou as chaves de casa em cima da mesa e voltou costas.


Ainda lhe parecia impossível o que se tinha passado na sua vida desde então.

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